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Recensão à Balada do Velho Marinheiro de S. T. Coleridge (trad. Alberto Pimenta) por Pedro Mexia, Semanário Expresso

Escrito em 20 de novembro de 2017

Publicado pela primeira vez em 1798, na célebre colectânea-manifesto “Lyrical Ballads”, “A Balada do Velho Marinheiro” distinguia-se no entanto da tonalidade dominante dos poemas desse volume, que é a da “linguagem da conversação”; trata-se antes, como em outros grandes poemas narrativos de Coleridge, “Kubla Khan” e “Christabel”, de uma espécie de assombração, balada enigmática de sons temerosos. Há uns anos, saiu em português uma tradução de Gualter Cunha; agora, recupera-se uma versão de 1960, de Alberto Pimenta, integrada na sua tese de licenciatura. Poucos poetas têm a erudição e a inventiva de Pimenta, de modo que a tradução, obra de juventude, é muito engenhosa, mesmo quando se afasta da musicalidade do original, procurando outra música igualmente cativante: “De mastros bem abatidos | e proa meia afundada/ Como alguém que perseguindo | por furiosa surriada/ Vai fugindo e ainda pisando | a sombra do inimigo/ E dobra e esconde a cabeça | para esquivar o perigo,/ Assim o navio voava | e direito ao Sul fugia,/ Enquanto o vento bramava | e rebramava e zunia” (tão importante é a musicalidade que esta edição anota uma “pausa de semínima” a meio dos versos, um requinte que se estende à reprodução das gravuras de Gustave Doré e a todo o grafismo). Esmagadora e misteriosa, a “Balada” é a história de um marinheiro contada pelo próprio a um convidado de uma festa de casamento. Um dia, o marinheiro seguia num navio que uma tempestade apanhou. Presos nos gelos e nevoeiros do Pólo Sul, os tripulantes são salvos por um albatroz, que os guia para fora daquelas paragens. Então, o marinheiro mata o albatroz, acto gratuito que nasce do tédio ou da vontade de transgressão e que podemos entender talvez como uma dramatização do pecado original. Os outros marinheiros hostilizam o narrador, depois reconciliam-se com ele, e aparecerão navios-fantasmas, mortos-vivos, provações várias e ocasiões de redenção. Tudo no marinheiro é aventura romântica: viagens e perigos, a natureza e os deuses, as coisas visíveis e invisíveis. Mas é um romantismo condenado ao eterno retorno. Escreve Pimenta: “Esta compulsão de quase permanentemente refazer, narrando, o próprio crime, ou falha, ou falta, ou desvio inicial, é provavelmente o arranque que leva a qualquer narração poética (...).” Porque um poema é “uma forma de reparação”, e isso mesmo há-de descobrir o convidado da boda: “Foi-se embora aturdido,/ Foi-se embora transtornado:/ Acordou ao outro dia/ Mais grave e mais avisado.” Pedro Mexia

Recensão de Pedro Mexia à Balada do Velho Marinheiro de S. T. Coleridge,

com tradução de Alberto Pimenta, na Revista E do Semanário Expresso,

(Novembro, 2017)