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«Um olho que ri e um olho que chora» – Maria Irene Ramalho, sobre ZOMBO de Alberto Pimenta

Escrito em 26 de setembro de 2019

«Um olho que ri e um olho que chora» – Maria Irene Ramalho, sobre ZOMBO de Alberto Pimenta

«Este último, e desassossegante, novo livro de Alberto Pimenta, mais do que qualquer outro, exige um olhar panorâmico. […] Zombo evoca, mais comicamente ainda, outros cansaços da implacável rotina da cultura, como o fastio do discípulo prestes a ser traidor, na hilariante “Penúltima Ceia” […] A verdade é que o poeta de Zombo, tal como o Camões dos Lusíadas (X, 145) – “No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida” –, chega cansado da sua longa caminhada: ”estou exausto deste serviço, mais não, não peçam / despeçam-me” (87), o trocadilho que resulta da sequência métrica (“peçam” / “des-peçam”) anuncia um outro tipo de cansaço o das próprias palavras explicado em poema posterior: “não / nem mais/ uma palavra só, não, / pobres palavras sós,/ em si exaustas / ou antes, exaustas em si,/ palavras sós, mesmo palavras / que sejam palavras, / porque nem todas o são: / algumas não passam de / resmoneios reles” […] Este livro não pode ser lido senão com um olho a rir e outro a chorar. A rir, porque é irresistível a denúncia do imenso ridículo que povoa o percurso do nosso humano ser, como quem, contra a “discriminação”, exige uma “missa da galinha” (35), ou o obsessivo verbo de encher que poucos dispensam: “digamos” repetido mais de 40 vezes num dos poemas (84-89). A chorar, porque o ridículo é sempre por de mais insuportável, como o “Bolso ignaro”, de que o poema nos não liberta, mesmo, ou por isso mesmo, kafkiano, “de pernas para o ar” (81).»

Maria Irene Ramalho

Jornal de Letras, 25 Setembro, 2019: